#019 A Guerra dos Trilhos
Se 2025 foi o ano da regulação, o final dele sinaliza o que será 2026: o ano da infraestrutura proprietária. Não estamos mais falando de “testes piloto”. Nesta semana, três movimentos globais e locais deixaram claro que os gigantes cansaram de alugar trilhos e decidiram construir os seus próprios.
Na Europa, um consórcio de dez grandes bancos desafia a hegemonia do dólar digital criando uma empresa dedicada a uma stablecoin de euro. Nos EUA, a Stripe não apenas compra uma carteira cripto, mas lança sua própria blockchain. E no Brasil, o Banco BV mostra que a tokenização do Agro deixou o PowerPoint e virou ganho de eficiência operacional com IA.
A mensagem é estratégica: quem controla a infraestrutura, dita a margem.
1. Qivalis: A Resposta Bancária Europeia
Um consórcio de peso formado por dez instituições financeiras — incluindo BNP Paribas, ING, UniCredit e Santander (via participações) — anunciou a criação da Qivalis, uma nova empresa sediada na Holanda com um objetivo claro: emitir e gerir uma stablecoin regulada de Euro.
O Ponto-Chave: Soberania e Liquidez. Até hoje, o mercado de stablecoins é dominado por emissores privados americanos (como Tether e Circle) e focado no Dólar. A Qivalis é a resposta institucional da Europa para não perder a relevância monetária na economia digital. A empresa já solicitou licença de Instituição de Dinheiro Eletrônico (EMI) e planeja o lançamento para 2026.
Análise Estratégica: Os bancos europeus entenderam que, se não digitalizarem o Euro via blockchain privada e compliant, perderão o fluxo de pagamentos B2B e industriais (IoT) para os “dólares digitais”. Para os bancos brasileiros, a lição é a colaboração: em vez de dez moedas próprias fragmentadas, a união em torno de um padrão único (como a Qivalis ou o Drex) é o único caminho para ganhar escala contra as Big Techs.
2. Banco BV: O Agro Agora é Tokenizado (e com IA)
Enquanto a Europa foca na moeda, o Brasil avança na tokenização do ativo real (RWA). O Banco BV anunciou a emissão de um CDCA (Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio) tokenizado, utilizando uma combinação de blockchain para registro e Inteligência Artificial para validação de lastro.
O Ponto-Chave: Eficiência, não Hype. Diferente das primeiras ondas de tokenização focadas em marketing, o movimento do BV visa resolver uma dor real: a complexidade e o custo da verificação de lastros agrícolas. Ao usar IA para analisar documentos e blockchain para dar imutabilidade ao CDCA, o banco reduz o tempo de esteira e aumenta a segurança para o investidor institucional.
Análise Estratégica: Este caso prova que a “tokenização” no Brasil encontrou seu product-market fit na eficiência de backoffice e na securitização. Para tesourarias e áreas de crédito, a tecnologia deixa de ser um “produto de inovação” e vira ferramenta de margem: quem tokeniza e automatiza o lastro consegue girar a carteira mais rápido e com menor custo operacional.
3. Stripe: Verticalização Total com “Tempo” e Valora
A gigante de pagamentos Stripe fez um movimento duplo agressivo. Primeiro, lançou a testnet da Tempo, sua própria blockchain focada em pagamentos com stablecoins. Segundo, adquiriu a equipe por trás da Valora, uma das carteiras móveis mais populares do ecossistema Celo (focada em usabilidade e mobile-first).
O Ponto-Chave: O “iPhone” dos Pagamentos Cripto. A Stripe não quer apenas processar pagamentos cripto; ela quer ser a rede (Tempo) e a interface (time da Valora). A aquisição traz para dentro de casa a expertise de UX móvel que falta para a maioria dos protocolos, enquanto a blockchain própria permite otimizar taxas e velocidade sem depender de redes congestionadas como o Ethereum principal.
Análise Estratégica: Este é o maior alerta para bancos e adquirentes tradicionais. Uma Big Tech de pagamentos agora possui a infraestrutura completa (ferrovia + carteira) para mover valor globalmente sem passar pelos trilhos bancários SWIFT ou correspondentes. A competição não é mais sobre “quem aceita cartão”, mas sobre quem detém o protocolo de liquidação.
Links da Semana
As fontes originais para aprofundar a discussão com sua equipe técnica:
InfoMoney: Grupo de bancos europeus anuncia empresa de stablecoin em euros chamada Qivalis
Banco BV (Press): Banco BV lança CDCA tokenizado e reforça agenda de inovação em ativos reais
Cointelegraph: Gigante de pagamentos Stripe adquire equipe da carteira Valora após lançar blockchain Tempo
Conclusão: Quem é o Dono do Trilho?
A edição #019 da TrendFi fecha a semana com uma provocação sobre propriedade.
Na Europa, os bancos se uniram para ser donos da moeda digital (Qivalis). No Brasil, o BV usa a tecnologia para ser dono de uma esteira de crédito mais eficiente. Nos EUA, a Stripe constrói sua própria rede (Tempo) para não depender de ninguém.
A era de “usar a infraestrutura dos outros” está acabando para os líderes de mercado. A vantagem competitiva voltou a residir na capacidade de verticalizar a tecnologia.
Para a sua reunião de segunda-feira: O seu banco/fintech está construindo ativos proprietários ou apenas plugando APIs de terceiros que, em breve, serão seus concorrentes diretos?
Se esta análise trouxe clareza sobre o tabuleiro de infraestrutura, compartilhe a TrendFi com seu time.
Nos vemos na próxima edição!
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