#017 Lex Cryptus Brasilis
O dia 10 de novembro de 2025 entra para a cronologia financeira nacional como o momento em que o mercado de criptoativos brasileiro atingiu sua maioridade regulatória. Em uma ação coordenada, Banco Central (BC) e Receita Federal (RFB) estabeleceram as regras definitivas para o setor, encerrando o período de experimentação e “zonas cinzentas”.
Para quem observa de fora, parece apenas burocracia. Para nós, que operamos o sistema financeiro, a mensagem é estratégica: a infraestrutura cripto foi oficialmente incorporada ao SFN (Sistema Financeiro Nacional). Isso traz segurança jurídica, mas impõe barreiras de entrada que redesenharão a competição entre bancos, fintechs e exchanges nativas.
Nesta edição, dissecamos o pacote regulatório e analisamos o que muda no tabuleiro estratégico para 2026.
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O Novo Arcabouço: Detalhando as Regras
O pacote normativo é denso e ataca três frentes: autorização, conduta e fiscalização tributária. Abaixo, os pontos cruciais de cada norma que seu time de Compliance precisa mapear:
1. A Tríade do Banco Central (Resoluções 519, 520 e 521)
Resolução BCB 519 (O “Quem”): Estabelece os critérios para autorização das Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (SPSAVs).
Resolução BCB 520 (O “Como”): Foca na governança, riscos e PLD/CFT (Prevenção à Lavagem de Dinheiro).
Resolução BCB 521 (A Conexão Cambial): Integra cripto ao mercado de câmbio e capitais internacionais.
2. Receita Federal e a “DeCripto”
A nova Instrução Normativa (IN) atualiza o reporte fiscal, alinhando o Brasil ao padrão CARF (Crypto-Asset Reporting Framework) da OCDE.
Extraterritorialidade: Exchanges estrangeiras que tenham “presença significativa” no Brasil (site em português, parcerias locais ou marketing direcionado) são obrigadas a reportar operações à RFB.
Reporte Granular: Aumento do nível de detalhe exigido sobre saldos em fiat, conversões entre criptoativos e identificação de beneficiários finais.
Análise de Impacto Estratégico
A regulação não afeta todos os players da mesma forma. Ocorre um reequilíbrio de forças no mercado:
1. Para Bancos (Incumbentes): A Vantagem Competitiva O custo de conformidade subiu drasticamente. Para bancos que já possuem estruturas robustas de PLD, Jurídico e Capital, isso é uma excelente notícia.
Oportunidade: Bancos podem atuar como “infraestrutura as a service” para fintechs menores que não conseguirão a licença de SPSAV, oferecendo custódia e liquidação.
Segurança: Com a regra clara, bancos públicos podem finalmente lançar produtos de investimento e tokenização de ativos (RWA) sem o risco de questionamentos legais futuros.
2. Para Exchanges Nativas: Consolidação Forçada As “exchanges puras” enfrentarão seu maior teste. A exigência de capital e a implementação técnica da Travel Rule drenarão caixa.
Cenário: Espera-se uma onda de Fusões e Aquisições (M&A). Exchanges menores serão absorvidas ou encerrarão atividades. As grandes, já capitalizadas, tentarão se posicionar como “bancos digitais de nicho”.
3. Para Fintechs: O Dilema do Pivô Startups que usavam cripto como diferencial de produto terão que decidir: solicitar a licença (caro e lento) ou plugar-se em um banco/SPSAV maior (perdendo margem, mas ganhando velocidade).
O Impacto Específico nas Stablecoins
A Resolução 521 e a nova postura do regulador alteram profundamente o uso de stablecoins, como USDT e USDC:
Fim da “Arbitragem Cambial”: Até ontem, muitas empresas usavam stablecoins para enviar recursos ao exterior fugindo do IOF e do spread bancário tradicional. Com a 521, essa prática passa a ser monitorada como evasão cambial se não seguir os ritos formais.
Stablecoins como Infraestrutura: Por outro lado, a norma legitima o uso desses ativos para liquidação b2b eficiente. Bancos poderão usar stablecoins reguladas para settlement internacional instantâneo, desde que dentro do canal de câmbio oficial.
Fontes e Leituras da Semana
Para aprofundamento técnico nas normas citadas:
Banco Central do Brasil: Nota Oficial - Banco Central regulamenta o uso de ativos virtuais e cria as SPSAVs
Portal Gov.br: RFB lança IN 2.291 adaptada ao padrão CARF/OCDE
Mattos Filho: Análise Jurídica: Banco Central divulga normas 519, 520 e 521
Mercado Bitcoin: Artigo: Regulação Cripto e o impacto da Resolução 520 nas exchanges
InfoMoney: Receita abre porta para fiscalizar corretoras estrangeiras com a DeCripto
Conclusão: Hora de Ocupar Espaço
A edição #017 da TrendFi traz uma conclusão pragmática: a barreira de entrada subiu, e isso favorece quem tem estrutura. A “Lex Cryptus Brasilis” não veio para acabar com o mercado, mas para profissionalizá-lo ao nível bancário.
Para as instituições tradicionais, o risco reputacional de operar com cripto foi mitigado pela chancela regulatória. A pergunta estratégica agora deixa de ser “podemos fazer?” e passa a ser “como faremos melhor?”.
Provocação para a semana: Seu banco está pronto para capturar o fluxo de clientes que sairão das exchanges não reguladas em busca de segurança?
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Até a próxima edição!
