#016 Drex em Transição, UBS no Blockchain e Japão Entra na Era das Stablecoins
O Banco Central do Brasil surpreendeu o mercado ao desligar a plataforma piloto do Drex, a infraestrutura baseada em Hyperledger Besu onde rodava o real digital, alegando desafios de privacidade e segurança não resolvidos. Longe de enterrar a ideia da moeda digital nacional, o movimento sinaliza uma mudança estratégica: em vez de construir toda a pilha tecnológica internamente, o BC assume agora o papel de regulador e padronizador, delegando ao mercado o protagonismo na inovação.
A mensagem nas entrelinhas é: não se trata de recuo, mas de redefinição de papéis. O Drex “segue de pé”: haverá uma Fase 3 em 2026 com nova tecnologia, porém sob uma arquitetura modular em que o Banco Central dita as regras do jogo enquanto bancos e fintechs desenvolvem as soluções. Essa arquitetura descentralizada porém regulada expande limites ao liberar o ímpeto inovador do mercado, mas provoca uma reflexão: qual é o alcance da disrupção quando o core continua rigidamente sujeito às normas do guardião financeiro?
BACEN pós-Drex: arquitetura modular, mercado protagonista
A decisão de aposentar a rede blockchain do Drex não significou abandono do real digital, e sim pragmatismo regulatório. Fontes próximas ao projeto confirmam que o BC desligará a plataforma atual e buscará uma nova infraestrutura tecnológica em 2026. O piloto cumpriu seu papel ao evidenciar limitações: privacidade, custos, escalabilidade, e agora o Banco Central prefere ajustar a rota. “Novos modelos de negócios com escopo mais direcionado pelo mercado podem ter requisitos atendidos sem as eventuais restrições regulatórias do piloto”, diz a BBChain (parceira do projeto), sintetizando a nova filosofia: dar maior papel ao mercado na evolução. Em outras palavras, o BC estabelece padrões de segurança, privacidade e interoperabilidade, mas caberá às instituições financeiras e techs criar as aplicações em torno do real digital.
Esse rearranjo também alinha o Brasil à tendência internacional. Nos EUA, por exemplo, decidiu-se privilegiar stablecoins privadas em vez de CBDCs varejistas. Aqui, a ressignificação do Drex abre caminho para estruturas tokenizadas privadas e stablecoins no lugar de uma moeda digital de banco central. Não por acaso, bancos brasileiros já se movimentam: o Safra lançou em setembro sua própria moeda digital lastreada em dólar, aproveitando vantagens tributárias, e o Itaú admitiu estudar uma stablecoin própria assim que haja regulamentação.
Essa regulação, aliás, está por vir já: o Banco Central convocou coletiva em 10/11 (segunda-feira) para anunciar as regras resultantes das Consultas Públicas 109, 110 e 111. Tais normas estabelecerão os requisitos do jogo para exchanges de cripto, processos de licenciamento e a integração das stablecoins e criptoativos ao sistema financeiro tradicional. Em resumo, o BC define a estrada (com supervisão prudencial, interoperabilidade cambial e proteção ao consumidor) e entrega a direção ao mercado. Resta saber se os agentes privados estarão à altura de inovar na velocidade das fintechs dentro dessas novas margens regulatórias e se a regulação conseguirá ser firme sem sufocar a criatividade.
Tokenização institucional: UBS em campo com Chainlink
Enquanto o BC aposta no mercado como desenvolvedor, grandes players globais dão exemplos do que pode ser construído. A suíça UBS realizou o primeiro resgate on-chain de um fundo de investimento tokenizado, usando o padrão técnico Chainlink Digital Transfer Agent (DTA) em uma transação ao vivo. Na prática, o banco tokenizou cotas de um fundo monetário (uMINT) na rede Ethereum e executou integralmente on-chain o processo de subscrição e resgate dessas cotas, com a fintech DigiFT atuando como distribuidora e orquestração via contratos inteligentes. Trata-se de um marco que aproxima a infraestrutura cripto do mercado de fundos tradicional (avaliado em ~US$ 100 trilhões), prometendo ganhos de eficiência, transparência e interoperabilidade – ainda que imponha novos desafios de padronização e compliance.
O case da UBS ilustra como financeiros tradicionais estão testando ativos reais tokenizados em ambiente compatível com a rigorosa estrutura bancária. Todos os estágios do ciclo de vida do ativo ocorreram on-chain de forma compliant, desde a ordem de compra até a liquidação e atualização dos registros internos. Segundo Mike Dargan, diretor de operações e TI da UBS, o feito demonstra como padrões técnicos baseados em smart contracts podem melhorar operações de fundos e a experiência do investidor, abrindo espaço para novos produtos componíveis. Estratégias como a iniciativa UBS Tokenize mostram instituições incumbentes extraindo eficiência de blockchain sem abdicar de controles – automatizando backoffice, reduzindo prazos de liquidação e permitindo auditoria em tempo real, tudo isso integrado aos sistemas legados do banco. Em suma, o protagonismo da UBS sinaliza que a tokenização institucional deixou de ser experimento para virar implementação concreta. Bancos no Brasil, de olho nas diretrizes do BACEN, podem seguir o exemplo: tokenizar dívidas, cotas de fundo ou recebíveis em plataformas compatíveis com o arcabouço regulatório, colhendo eficiência sem perder conformidade.
Stablecoins sob supervisão: o caso japonês
No Japão, testemunhamos uma nova fase em que stablecoins viram infraestrutura bancária regulada. A Agência de Serviços Financeiros (FSA) anunciou suporte a um projeto conjunto dos três maiores bancos japoneses: MUFG, SMFG e Mizuho, para emitir uma stablecoin atrelada ao iene. Diferentemente das stablecoins de mercado que cresceram à margem dos bancos, essa iniciativa terá os gigantes bancários criando uma estrutura compartilhada de emissão e transferência de tokens, sob padrões técnicos e legais unificados e supervisão direta do regulador. Em outras palavras, as stablecoins serão tratadas como meio de pagamento bancarizado: interoperáveis entre instituições, respeitando requisitos de conformidade locais, e integradas aos esquemas de liquidação já conhecidos (porém ganhando a agilidade e programabilidade do mundo cripto).
O caso japonês reflete um contexto maior. Após mudanças legais, o Japão liberou stablecoins emitidas por instituições licenciadas, e já viu surgir a primeira stablecoin de iene por uma fintech (JPYC) lastreada integralmente em depósitos e títulos públicos. Agora, com os pesos-pesados bancários unindo forças, o país busca modernizar suas redes de pagamento sem abrir mão da segurança regulatória. Stablecoins bancárias poderão ser usadas em remessas internacionais mais eficientes, liquidação instantânea de títulos e outras aplicações, tudo sob o olhar atento da FSA. É uma resposta ao avanço global: enquanto projetos de CBDCs patinam, as stablecoins privadas sob regras claras ganham tração.
Não por acaso, blocos de bancos europeus estudam lançar stablecoin em euro, e grandes bancos dos EUA também avaliam uma emissão conjunta. A mensagem estratégica é que adotar stablecoins não significa descontrole, quando feitas dentro do condomínio regulatório bancário. Para os executivos de inovação financeira, fica a lição: stablecoins deixaram de ser “moeda rebelde” para se tornarem infraestrutura de pagamentos mainstream, com bancos como emissores e reguladores como fiadores da confiança.
Três links da semana
Infomoney: BC desliga plataforma do DREX usada até agora por problemas de privacidade
Moneytimes: Governo do Japão anuncia apoio a projeto de grandes bancos para emissão de stablecoins.
Conclusão: E agora, banco?
A edição #016 da TrendFi deixa claro que a fronteira entre inovação financeira e regulação está sendo redesenhada em tempo real. O Banco Central define novas margens e convida o mercado a dançar nelas – seja com stablecoins emitidas por bancos, seja com tokenização de ativos sob medida, seja com integração entre redes tradicionais e DLTs. Ficamos com uma provocação aos líderes bancários e de produto: o que seu banco está construindo dentro desse novo perímetro regulatório?
A tokenização de um fundo, uma stablecoin própria, uma plataforma DeFi compliant? A discussão está lançada, e queremos ouvir de você. Conte-nos quais iniciativas seu time vislumbra e onde enxerga as maiores oportunidades (ou riscos) nesse novo cenário. Se este panorama trouxe insights valiosos, não deixe de compartilhar a TrendFi com sua equipe e pares – vamos ampliar o debate. Nos vemos na próxima edição, e até lá, mantenha-se antenado e disruptivo!
