#006 JP Morgan - O Banco Mais Ambicioso da Web3
Nesta 6ª edição da nossa newsletter trouxe algo diferente: A análise da estratégia empreendida pelo banco mais valioso do mundo pra se tornar o banco mais atuante da Web3. Este título, concedido exclusivamente por mim, no estilo Melhor Pão com Linguiça da BR, onde as paradas da estrada elegem o seu lanche como o melhor. O meu voto vai para o JP Morgan, pois entre os grandes, ele começou há uma década e vem colecionando iniciativas e estruturas que o permitirão, sim, ser o maior “banco” da era das finanças tokenizadas.
Pra vocês terem uma ideia, o JP Morgan não apenas criou sua própria Business Unit pra cuidar do tema blockchain e tokenização, como já teve uma “agência” no metaverso. Ele comprou um imóvel virtual na Decentraland e fez atendimentos ao vivo com os avatares que entrassem e interagissem.
Para um banco com 225 anos de história, maior valor de mercado do mundo, poder tentar, errar, pivotar e continuar entregando iniciativas tokenizadas em blockchain públicas e privadas, tem que ter muita certeza da sua estratégia e do seu alvo. E é isso que vamos estudar nessa edição.
📌 Introdução
Na última década, o banco norte‑americano J.P. Morgan transformou‑se num dos atores mais ativos do universo de blockchain, Web3 e tokenização. Desde que estabeleceu um centro de excelência em blockchain, em 2015, o grupo abraçou a visão de que tecnologias de DLT (livro‑razão distribuído) poderiam reformular as infraestruturas financeiras. A estratégia passa por criar plataformas internas e pilotos públicos, participar de consórcios internacionais e experimentar modelos de negócio baseados em depósitos tokenizados, dinheiro programável e liquidação atômica. Este panorama histórico reúne os anúncios e iniciativas que fizeram o maior banco do mundo (em marketcap) o banco mais ambicioso da Web3.
Linha do tempo de iniciativas
A tabela a seguir resume, por ordem cronológica, alguns marcos anunciados pela instituição e seus parceiros. Os eventos destacam experimentos no financiamento digital, redes de pagamentos transfronteiriços, criptoativos de varejo, projetos piloto com reguladores e parcerias com empresas de tecnologia e gestores de ativos.
2015 – Criação do Blockchain Center of Excellence, marco inicial das pesquisas internas do banco sobre aplicações de DLT;
2016 – Lançamento do Quorum, versão privada do Ethereum com privacidade e permissão de acesso, posteriormente vendida à Consensys;
2017 – Início da Interbank Information Network (IIN), rede blockchain que depois foi rebatizada para Liink e conecta centenas de bancos;
2018 – Teste de emissão de dívida em blockchain com o Banque Nationale du Canada, explorando títulos digitais;
2019 – Anúncio da JPM Coin, stablecoin interna resgatável 1:1 em dólares e voltada a clientes institucionais;
2020 – Lançamento da marca Onyx e estreia da Onyx Digital Assets, plataforma que oferece liquidação instantânea de operações de recompra (repo) intradiárias;
2021 – Parceria com DBS Bank e Temasek para criar a Partior, rede de pagamentos cross‑border que liquida transações em minutos;
Nov/2022 – Primeira negociação DeFi cross‑border no âmbito do Project Guardian, tokenizando depósitos em SGD e JPY e realizando câmbio automatizado na Polygon Labs;
Nov/2022 – DBS Bank executa o primeiro repo intradiário na Onyx Digital Assets, liquidando operações de recompra via JPM Coin;
Out/2023 – Lançamento da Tokenized Collateral Network (TCN); BlackRock tokeniza cotas de fundo de mercado monetário e as fornece como garantia a Barclays;
Out/2023 – A JPM Coin passa a processar mais de US$ 1 bilhão/dia após incluir transações em euros;
Nov/2023 – Prova de conceito de tokenização de carteiras com a gestora Apollo no Project Guardian, permitindo personalizar carteiras de clientes e ligando a Onyx a blockchains permissionadas;
Nov/2023 – Publicação de white paper sobre deposit tokens e demonstração do JPM Deposit Token (JPMD) em blockchain pública;
2024 – Rebranding de Onyx para Kinexys e expansão dos serviços de pagamentos programáveis e da rede Liink;
Mai/2025 – Primeira transação pública de tokenização de títulos do Tesouro usando a Ondo Chain e a infraestrutura Chainlink Labs; liquidação via contas de depósito tokenizadas;
Jun/2025 – Início do piloto do JPM Deposit Token (JPMD) na rede Base (layer 2 da Coinbase); tokens de depósito são transferidos para a exchange, destinados a clientes institucionais, e podem pagar juros no futuro;
Jul/2025 – Anúncio de piloto com a S&P Global para tokenizar créditos de carbono, visando padronização e rastreabilidade no mercado voluntário;
🎯Estratégia empresarial do JP Morgan na Web3
Vamos analisar agora os pilares e direcionadores da estratégia do JP Morgan e da sua unidade de negócios Kinexys:
1 - Construindo infraestrutura própria
O histórico mostra que o banco não se limitou a investir em ativos digitais; ele construiu as infraestruturas necessárias para operá‑los. O lançamento do Quorum em 2016 revelou sua intenção de controlar a tecnologia base, adaptando o Ethereum para requisitos de privacidade e desempenho. Com a consolidação das iniciativas sob a marca Onyx em 2020 — agora Kinexys — a instituição criou plataformas para pagamentos programáveis (JPM Coin), liquidação de repo (operações de recompra de títulos em que o vendedor se compromete a recomprar o ativo no curto prazo, mecanismo comum para obtenção de liquidez), registro de obrigações e serviços de confirmação de pagamento (Liink). Essa verticalização permitiu ao banco testar modelos inovadores sem depender de plataformas externas, reduzir custos de liquidação e estabelecer‑se como fornecedor de infraestrutura para outros bancos e clientes institucionais.
2 - Alinhamento com o DeFi e blockchains públicas
Embora a maior parte dos pilotos ocorra em redes permissionadas, o JP Morgan tem explorado ativamente blockchains públicas. A participação no Project Guardian em 2022 marcou a primeira vez que um grande banco tokenizou depósitos e executou um câmbio automatizado num protocolo DeFi (Aave Labs) hospedado na rede Polygon Labs. Em maio de 2025, a instituição deu um passo além ao settlement cross‑chain de títulos do Tesouro, conectando a rede Ondo (onde circulavam títulos tokenizados) às contas de depósito tokenizadas da Kinexys via Chainlink Labs. Segundo Nelli Zaltsman, responsável pela Kinexys Digital Payments, o teste prepara a infraestrutura para clientes que transacionam ativos em múltiplas blockchains, e Sergey Nazarov(Chainlink) afirmou que o experimento sinaliza uma mudança estrutural ao remover fronteiras entre ecossistemas.
3 - Tokenização de ativos tradicionais
Um pilar da estratégia envolve tokenizar instrumentos financeiros tradicionais para reduzir fricção e aumentar a eficiência. O Tokenized Collateral Network permite que cotas de fundos de mercado monetário sejam usadas como garantia em derivativos, com liquidação quase instantânea. A Onyx Digital Assets permitiu repos intradiários e liberou capital ao executar liquidação a qualquer hora do dia. Em 2025, a parceria com S&P Global trouxe a mesma lógica para o mercado de créditos de carbono, onde a padronização e rastreabilidade poderiam aumentar a confiança num mercado avaliado em mais de US$ 4 bilhões. A cada projeto, o banco posiciona‑se para ser provedor de “infraestrutura de tokenização” para múltiplas classes de ativos.
4 - Depósitos tokenizados e dinheiro programável
Outro foco é a emissão de dinheiro nativo de blockchain. A JPM Coin, lançada em 2020, permite que clientes institucionais movimentem dólares e euros de forma instantânea e programável. Em 2023 a moeda movimentava mais de US$ 1 bilhão por dia, e executivos indicaram interesse em uma versão para consumidores.
Além das stablecoins bancárias, o banco está experimentando tokens de depósito. Em 2023, a equipe da Kinexys publicou um paper sobre deposit tokens e demonstrou a JPM Deposit Token (JPMD) em blockchain pública. Esses tokens representam depósitos em dólares mantidos em contas bancárias, funcionam dentro da estrutura regulatória existente e, segundo Naveen Mallela, podem ser mais escaláveis que stablecoins porque são lastreados por reservas fracionárias. Em junho de 2025 o banco iniciou um piloto do JPMD na rede Base, uma segunda camada da Ethereum operada pela Coinbase; uma quantia fixa de tokens seria transferida para a exchange e os clientes institucionais da Coinbase poderão utilizá‑los após a fase de testes. Mallela acrescentou que o JPMD poderá pagar juros aos detentores, algo que a maioria das stablecoins não oferece. Essa iniciativa posiciona o JP Morgan para oferecer “dinheiro programável” diretamente aos clientes institucionais, aproximando‑se de um ecossistema de pagamentos 24/7 totalmente digital.
5 - Colaborações e consórcios
Os projetos descritos revelam que o banco prefere parcerias estratégicas em vez de desenvolvimento isolado. A Partior nasceu da cooperação com DBS e Temasek para melhorar pagamentos cross‑border. O Project Guardian contou com a MAS, DBS e SBI Digital, permitindo que diferentes instituições testassem finanças descentralizadas. O piloto de créditos de carbono integrou dados da S&P Global com a infraestrutura Kinexys. E a recente transação de títulos tokenizados trouxe Chainlink e Ondo Finance para orquestrar a liquidação cross‑chain. Esse ecossistema de parcerias permite ao JP Morgan validar conceitos em ambientes controlados enquanto influencia padrões de mercado.
Declarações de Jamie Dimon sobre Bitcoin e Blockchain
No final de julho de 2025, o CEO Jamie Dimon trouxe nova visibilidade à estratégia digital do banco ao manifestar apoio a stablecoins e à blockchain, enquanto manteve reservas em relação ao Bitcoin. Em entrevista à CNBC, ele afirmou ser “um crente em stablecoins” e em livros‑razão descentralizados, mas não pessoalmente em Bitcoin. Dimon argumentou que sua instituição “terá” uma stablecoin — criptoativo atrelado a ativos como o dólar — e que essas moedas podem oferecer funcionalidades que o dinheiro tradicional não permite, acrescentando: “é o que o cliente quer”.
Apesar de a postura parecer mais branda do que no passado, ele recordou a distinção histórica entre blockchain e Bitcoin. Dimon reiterou que, anos antes, chegou a dizer que demitiria funcionários que negociassem a criptomoeda por considerá‑la “estúpida”, e em 2023 chamou o ativo de “fraude supervalorizada” e comparou‑o a uma “pedra de estimação”; ainda assim, reconheceu a utilidade dos livros‑razão distribuídos. Ao ressaltar que a sua equipa utilizou a blockchain para repos intradiários e transferências de dinheiro, reforçou que a tecnologia serve a serviços bancários reais.
Dimon também destacou que a divisão Kinexys — anteriormente Onyx — rebatizada em 2024, executou em maio de 2025 a primeira transação pública em blockchain e, em junho, lançou o protótipo JPM Deposit Token (JPMD), um ativo estável que representa depósitos de clientes. Suas falas reforçam a visão corporativa de abraçar ativos digitais regulados (stablecoins, depósitos tokenizados) e ao mesmo tempo manter ceticismo em relação a criptomoedas não colateralizadas. Ao valorizar stablecoins e deposit tokens, o CEO legitima as iniciativas internas da Kinexys e sinaliza que o JP Morgan pretende liderar a infraestrutura de dinheiro digital, sem aderir à narrativa especulativa do Bitcoin.
Conclusão
A trajetória do JP Morgan na Web3 demonstra uma visão de longo prazo: transformar o dinheiro e os ativos digitais em componentes integrados aos sistemas bancários tradicionais. Com iniciativas que vão do desenvolvimento de blockchains privadas à participação em redes públicas, do lançamento da JPM Coin à tokenização de fundos, títulos e créditos de carbono, o banco atua como pioneiro entre os grandes do setor. A estratégia combina infraestrutura própria, alianças internacionais e experimentos em finanças descentralizadas. À medida que novas provas de conceito se convertem em produtos, o banco se posiciona para oferecer serviços de tokenização, pagamentos e liquidação programável a uma base global de clientes e, potencialmente, ao varejo. O título de “banco mais ambicioso da Web3” não se dá apenas pela quantidade de anúncios, mas pela amplitude e profundidade com que o JP Morgan vem reimaginando o papel das instituições financeiras no ecossistema da Web3.
🔗 Sinais do Sistema
Três links que reforçam (ou tensionam) a conversa:
Como as novas regras contábeis do Banco Central para criptoativos impactam o mercado brasileiro
Wyoming (Estado dos EUA) lança stablecoin FRNT com suporte da Visa em 7 blockchains
💬 E aí, o que você viu?
Qual movimento do JP Morgan mais te provoca: o token de depósito na Base, a emissão de títulos do Tesouro on‑chain ou as falas de Jamie Dimon? Deixa seu insight nos comentários ou me manda uma DM. Se curtiu, compartilhe com alguém que também está construindo o futuro da economia digital.

