#005 CVM liberará blockchain em 2026
Na mesma semana em que o Banco Central roubou as manchetes ao dizer que o Drex seguirá sem blockchain, a CVM soltou uma outra bomba: em 2026, deve sair a norma que permite aos depositários centrais operarem com DLT e blockchain no mercado de capitais. A consulta pública vem ainda em 2025. Pouca gente percebeu o tamanho desse movimento.
O ponto não é “tirar o intermediário”, mas mudar seu papel. Se a regra vingar, o depositário deixa de ser um monólito de registros para virar um orquestrador de trilhas de liquidação e custódia em múltiplas redes permissionadas — com programabilidade, trilhas de auditoria nativas e menor reconciliação entre sistemas legados.
Em outras palavras: enquanto o BC centraliza e simplifica o Drex, a CVM abre espaço para experimentação regulada no core do mercado de capitais. Vetores opostos, mas complementares para quem pensa produto.
Entre BC e CVM, quem dita o ritmo? A resposta prática: quem conseguir transformar compliance em software primeiro. Com DLT no perímetro do depositário, a agenda de tokenização migra do “laboratório” para o pós-negociação, onde a eficiência realmente mexe no P&L.
Uma observação antes de continuar: No Brasil, as únicas depositárias centrais autorizadas são a B3 e a CETIP, que hoje faz parte do grupo B3. Apesar da total predominância da B3, podem existir outras ou serem criadas. Por isso o título da arte e do texto abaixo está no plural.
📌 Blockchain nas Depositárias
Ainda não é uma completa desintermediação mas muda significativamente o papel das depositárias
Hoje, a depositária centraliza livros, posições e controles que exigem conciliações constantes com múltiplos sistemas. Ao habilitar DLT, o “registro” vira estado compartilhado entre participantes autorizados, com eventos imutáveis (emissão, bloqueio, transferência, liquidação) e regras codificadas em smart contracts sob governança regulada. Em vez de um funil único, temos uma malha: a depositária passa a ditar padrões de contrato, permissão e consenso, operar nós validadores e prover observabilidade. Isso não elimina a intermediação — realinha o poder: quem dita o padrão e controla a governança passa a capturar a eficiência.
Impactos de 1º grau (imediatos: 6–18 meses)
Reprecificação de risco operacional. A simples perspectiva de DLT em depositária reduz incerteza regulatória para projetos de tokenização que estavam no limbo. Times de risco e auditoria passam a encarar trilhas on-chain como fontes primárias de evidência, não como “provas auxiliares”. Resultado: menos prêmio de risco em iniciativas de pós-trade digital e mais facilidade de aprovar budgets.
Pressão competitiva sobre quem vive de reconciliação. Vendedores e BPOs que monetizam reconciliação manual já começam a sofrer compressão de margens nas RFPs. O valor migra de “conferir planilha” para qualidade de dados, observabilidade e testabilidade de eventos.
Sinal de assimetria regulatória com o Drex. Com o BC simplificando o varejo e a CVM abrindo espaço para DLT no mercado de capitais, a inovação de curto prazo desliza para o pós-trade. Quem estava aguardando Drex para viabilizar DvP vai reordenar o roteiro: testes com “cash leg” convencional (Pix/escrow) e trilhas on-chain já começam a fazer sentido sem esperar o Real tokenizado.
Impactos de 2º grau (adjacentes: 18–36 meses)
Reposicionamento da depositária como plataforma. Mesmo sem desintermediação, a depositária deixa de ser “arquivo único” para virar camada de coordenação. Isso desloca o poder de quem concilia para quem define padrões e métricas de conformidade. Expectativa: novos modelos de tarifa baseados em eventos e SLA, e marketplaces de componentes (contratos, validadores, oráculos auditáveis).
Renegociação entre bolsas, registradoras e bancos. Com eventos de custódia, gravames e corporate actions potencialmente codificados, fronteiras institucionais ficam menos óbvias. Clearing, registradoras e bancos passam a disputar quem “carimba” a verdade em cada etapa — e isso tende a gerar alianças técnicas improváveis (parcerias de dados, co-validação, compartilhamento de logs).
Ascensão de “cash rails” compatíveis. A inexistência de dinheiro programável nativo abre espaço para arranjos de liquidação com Pix, contas segregadas e — quando madura — stablecoins de real. Não é “cripto pela cripto”; é redução de latência e risco de contraparte. Bancos que oferecem APIs de liquidação previsíveis viram parceiros preferenciais do novo pós-trade.
Impactos de 3º grau (sistêmicos: 36–60 meses)
Arquitetura multi-rede e efeitos de rede regulados. Em vez de “a blockchain do mercado”, veremos domínios de confiança interoperando sob padrões comuns. Quem controlar metadados, chaves e versionamento de contratos captura os efeitos de rede — e isso é poder duradouro.
Transparência que muda governança corporativa. Trilha de eventos imutável tende a reduzir assimetria em assembleias, empréstimo de ativos e corporate actions. Não é revolução estética; é redução de custo político para minoritários e stewards institucionais exigirem coerência entre voto, evento e liquidação.
Reconfiguração regional. Países que padronizarem cedo DLT em pós-trade podem atrair emissões e listings cross-border em ativos privados e dívidas estruturadas. O Brasil, com depositária forte e Pix onipresente, tem chance de virar exportador de padrão — desde que a governança técnica seja abertura, não feudo.
🔗 Sinais do Sistema
Três links que reforçam (ou tensionam) a conversa:
Ressaca do Drex — Sem blockchain no Drex, especialistas estimam crescimento de stablecoins e aceleração da tokenização.
Stablecoins em real ganham corpo — Market cap de ~R$ 135 mi, 71 mil detentores e 5 emissores: a cash leg programável está criando tração.
Fed encerra supervisão “especial” de cripto — Atividades voltam para o trilho da supervisão bancária padrão. Menos exceção, mais integração.
💬 E aí, o que você viu?
Se a tese é correta, o “alfa regulatório” não nascerá de whitepapers — e sim de quem transformar conformidade em software com métricas públicas. Concorda? O que muda primeiro na sua área: modelo de tarifas, relação com a depositária ou os indicadores de risco operacional? Compartilhe.
