#002 Everybody Loves Pix
Nas últimas duas semanas, o Pix deixou de ser apenas uma história de inclusão financeira para se tornar peça de um drama geopolítico. A Casa Branca autorizou uma investigação comercial contra o Brasil, acusando o Banco Central de favorecer o “Pix estatal” em detrimento de gigantes de cartões e Big Techs norte-americanas. Ao mesmo tempo, Paul Krugman proclamou que o arranjo Pix-Open Finance-Drex talvez seja “o futuro do dinheiro”. O conflito revela um paradoxo: quanto mais o Pix comprova eficiência e redução de custos, mais incomoda modelos de negócio fundamentados em tarifas e intermediação.
Se o Século XX foi da exportação de commodities, o Século XXI pode ser da exportação de infraestrutura financeira. A pergunta que paira no ar não é se os EUA vão copiar o Pix, mas em que condições políticas isso aconteceria.
📌 Todos amam o Pix!
Quando o pagamento vira infraestrutura pública, quem fica com o poder?
O Pix nasceu como um programa de inclusão financeira: transferência instantânea, zero tarifa para pessoa física, interoperabilidade via QR Code. Cinco anos depois, saiu da categoria de “serviço do Banco Central” e virou ativo geopolítico. Basta ver a reação nos Estados Unidos: enquanto o USTR abre investigação por suposta “barreira comercial”, Paul Krugman chama o arranjo brasileiro de “blueprint” para o futuro do dinheiro. Como uma tecnologia desenhada em Brasília conseguiu ocupar simultaneamente o noticiário de Washington e o feed de Princeton?
Parte da resposta está na arquitetura. O Pix não é um aplicativo, é protocolo aberto. O Banco Central operou como orquestrador neutro: definiu padrões de mensageria, regras de liquidação e requisitos de segurança, mas deixou a captura de valor—produtos de crédito instantâneo, carteiras digitais, cashback—para o setor privado. Isso subverte o modelo norte-americano, em que redes privadas dominam a infraestrutura e cobram pedágio de até 3% por transação. Cada Pix concluído, portanto, é um pequeno lembrete de quanto aquela tarifa não precisa existir.
O choque chega em péssima hora para os EUA. No pós-pandemia, o debate doméstico sobre “junk fees” ganhou força; senadores pressionam Visa e Mastercard sobre swipe fees; fintechs como Block experimentam margens encolhendo. Quando se descobre que um país emergente processa pagamentos em menos de 10 s pelo custo de um dígito depois da vírgula, a narrativa de “ineficiência inevitável” derrete. Daí a investida via Seção 301: enquadrar o Pix como prática discriminatória—mesmo que todas as regras sejam públicas—é mais palatável politicamente do que admitir deficiência doméstica.
No centro da mesa está a pergunta: quem controla os dados transacionais? Para big techs, integrar o Pix significa injetar pagamentos nativos em seus ecossistemas, convertendo “likes” em ponta-a-ponta de compra. Para bancos, significa proteger o relacionamento, extrair insights de liquidez em tempo real e oferecer crédito contextual. Para reguladores, trata-se de manter a infraestrutura aberta sem matar o incentivo privado à inovação. É um equilíbrio delicado: padronização demais vira monopólio público; padronização de menos perpetua oligopólios privados.
Nesse ponto, o Brasil exibe um edge raro: governança assertiva combinada a APIs obrigatórias. O Pix impôs adesão universal das IFs/IPs acima de 500 mil correntistas; Open Finance força exposição de dados via padrões interoperáveis; o Drex testa liquidação de ativos tokenizados no mesmo ledger. O pacote cria uma espiral pró competição: cada camada serve de trampolim para a próxima. Se der certo, o país não exportará apenas tecnologia, mas um modelo regulatório que redefine a fronteira entre público e privado.
Claro, não há almoço grátis. A gratuidade ao usuário final depende de escala e de repasses cruzados. Gateways e subadquirentes já sentem compressão de margem; fraudes por engenharia social explodiram mais rápido do que as contramedidas educacionais. Além disso, diferentemente de cartões, o Pix liquida em D+0, exigindo gestão de caixa mais fina dos bancos. Ainda assim, a equação macro pende para o lado positivo: a redução de custo sistêmico supera as externalidades negativas—desde que a regulação continue iterativa.
O passo seguinte? Internacionalização seletiva. Há pilotos de remittance Pix-Portugal, conversas com BIS para GPF (Global Fast Payments), startups plugando stablecoins em cima de chaves Pix. Cada arranjo bem-sucedido aumenta a pressão sobre países que insistem em redes fechadas. Se Washington quer proteger suas rails, talvez precise investir em modernizá-las, não em erigir barreiras.
Em última instância, “Everybody Loves Pix” não é slogan—é constatação de mercado. Pessoas amam gratuidade e instantaneidade; empresas amam fricção reduzida; governos amam rastreabilidade. A disputa que se desenha não é sobre o Pix em si, mas sobre quem dita as condições quando todo mundo já o ama. E essa, convenhamos, é a melhor posição competitiva que um protocolo open source poderia almejar.
Seção 301: quando pagamentos viram caso de Estado
Em 15 de julho, o USTR abriu investigação sob a Seção 301 contra “práticas digitais e de serviços de pagamento” do Brasil. O documento cita barreiras a empresas americanas e agenda uma audiência pública para 3 de setembro de 2025 United States Trade Representative. Trata-se do mesmo instrumento que deu origem à guerra tarifária EUA-China em 2018.
Por trás do jargão jurídico, o recado é claro: Pix ameaça modelos dominados por tarifas de interchange. Ao custo zero para pessoa física e frações de centavo para o lojista, ele pressiona margens de redes internacionais. Washington usa o argumento da “discriminação” para tentar frear uma tecnologia que, ironicamente, é open source e aberta a qualquer participante, inclusive estrangeiros, desde que aceite as regras do Banco Central.
Para bancos e fintechs brasileiras, o sinal é de oportunidade e risco: oportunidade de exportar know-how, risco de ver o debate capturado por retórica protecionista.
Krugman: o Pix como “infraestrutura pública de inovação”
O Nobel de Economia dedicou sua coluna ao Pix, elogiando a simplicidade de usar QR Code em vez de cheques e cartões, e destacando como o BC atuou como plataforma neutra em que o setor privado inova nas bordas. Para Krugman, o combo Pix + Open Finance reduz fricção de dados e cria um mercado contestável, algo que os EUA tentam alcançar desde o Durbin Amendment de 2010 sem sucesso.
A análise ressoa com estudos do FMI que apontam o Pix como responsável por quase metade dos pagamentos digitais do país e por um ganho de PIB na casa dos bilhões. Em outras palavras, trata-se menos de “um app que faz TED grátis” e mais de infraestrutura de crescimento.
Big Techs jogam contra Trump (e a favor do Pix)
Enquanto Donald Trump brada contra “concorrência desleal”, representantes de Google, Meta, Apple e Visa visitaram Brasília para afirmar que querem o “Pix para todos” dentro de suas plataformas. O movimento é pragmático: competir com um protocolo gratuito é inviável; integrar-se a ele é inevitável.
Para bancos incumbentes, a mensagem é dupla:
Defesa de território – Big Techs podem usar Pix como cavalo de Troia para capturar dados transacionais valiosos.
Cooperação inteligente – APIs Pix combinadas a Open Finance podem gerar produtos de crédito contextual e embedded finance antes mesmo que players estrangeiros consigam licença.
A disputa, portanto, não é sobre cobrar ou não pelo pagamento, mas sobre quem controla a jornada e os dados.
🔗 Sinais do Sistema
Três links que reforçam (ou tensionam) a conversa:
Paul Krugman – Has Brazil Invented the Future of Money? Panorama elogioso que coloca Pix, Open Finance e Drex como modelo de referência.
USTR abre Seção 301 contra o Brasil: nota oficial descreve o escopo da investigação e ameaça retaliações.
Cointelegraph – Big Techs defendem ‘Pix para todos’ Detalhes da reunião entre Alckmin e executivos de Visa, Apple, Meta e Google.
💬 E aí, o que você viu?
O Pix virou arena de política industrial global. Como você, líder financeiro, vê o próximo passo? Deixe seu comentário: o futuro do sistema de pagamentos será decidido tanto em salas de reunião quanto em audiências públicas de Washington.
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